sábado, 6 de agosto de 2011

NEOVERBOS

Quando eu era menina
Dizia: - Mãe, desdá esse nó pra mim?
Minha mãe achava o verbo desdar
Engraçado sem tanto
E ria muito,
Mas desdava o nó.

Nunca aceitei direito
Aquele riso da mãe.
Se eu desconsertava a palavra,
Era desonroso que lhe zombassem.
E a menininha taciturneava.

Ontem pedi para a mãe das estrelas
Desdar o nó das entrelinhas do tempo.
A mãe estrelar não sorriu,
Mas também não desdeu o nó.

Manoel de Barros que bem sabe tudo,
Já disse que a poesia das coisas
Está na graça verbal.

Tenho sonho de que a mãe das estrelas
Ora desate a gargalhar.
Depois que envelheci,
Não ligo mais para enxovalhos.
Os neoverbos também não.

HUMANESSÊNCIA


Não tenho medo do escuro da noite.
Temo, em verdade,
Quando o meu escuro anoitece.
O breu da alma tem infinitas gradações,
Se anoitecido.

Anjo falciforme,
Uma borboleta dourada vesgou-me os olhos
Ao pousar na ponta do meu nariz.

Veio em missão evangélica
Revelar que Deus, por capricho,
Condensou o néctar do sentimento dos homens
No coração de um colibri.

O futuro não mais se apavora com minha ausência de luz.
Eis agora descoberto
O reservatório da humanessência.

Mandamintos


Não é certo fazer pacto com borboletas.
Não acho certo.

Deveria ser crime
Prosear com passarinhos
Ou observar detidamente
A gota de orvalho
Em meio às pétalas entreabertas da aurora.

Errado deixar-se atrair por bolhas de sabão.
Obsceno ficar espiando o acasalamento das cores
No alaranjar do crepúsculo.

É cruel observar inerte
O trabalho escravo das formigas.

Desumano mesmo é achar
Que pirilampo também é gente.

As leis do Estado
Deveriam tolher um tanto mais
Essa poesia indecorosa das coisas
E condenar à morte os poetas,
Esses deploráveis reinventores
Do vetor das essências.

Historinha pra ninar gigante




Ao meu gigantesco amigo,
Jorge Kajuru.

Um rei despótico
Ordenou que fossem mortos
Todos os pássaros do seu reino.
Assim se cumpriu.

Daquele dia em diante
O canto que nascia vinha das entranhas das pedras.
Deu-se uma quebra no encantamento das coisas
E dragões desembocaram do espaço.
Parecia que o mundo inteiro findava.

O rei,
Desobrigado de sonho,
Fechou os seus olhos de esquecer de acordar.
Então, as crianças se aliaram aos poetas
E desenharam um poema
De passarinhos ressuscitados.

Foi aí que pequeninas pedras
Animaram-se a levitar.
Pouco a pouco ganharam penas,
Bico, asas, gorjeio de pássaro.
E as crianças descobriram
Que pedrinhas coloridas são passarinhos disfarçados de chão.
Segredo milenarmente guardado.
Só o sabem as crianças e os poetas.