sábado, 15 de outubro de 2011

Amigos, perdão.

Alterei sem querer as configurações do BLOG e está horrível!!!

Amanhã alteroooooooooo!!!

Beijos

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O QUE ÉS

Quando a eternidade soletrou meu destino
Desenhou o teu nome
Nas lacunas do tempo.

Meus vãos tem a pulsação do teu sopro.
O afago do teu “sim” acomoda a inquietude do que sinto
E o abismo se faz aconchego
E todas as alegrias reflorescem nas frestas da dor.

E quando me olhas com essa ternura infinda
De criança que se alimenta do néctar dos meus olhos tristes,
Uma ciranda de estrelas me faz criança a sorrir nos céus do meu peito.
És cantiga de roda a cirandar os sonhos
Em que me deleito.

Nara Rúbia Ribeiro

ESTRADA

Quando você não chegou
Aquela estrela deu sinais de cansaço.
As borboletas abandonaram as asas
E as entrelinhas do tempo
Agouraram silêncios.

Havia um código secreto
No universo incógnito daquela ausência.
Vaga-lumes ruminaram verdades
E filosofias diversas
Brotavam das estrias da terra.

Era uma quase noite
Ao sol do meio dia
E o meu coração não deu fé
Daquela imensidão sentida.

Viu apenas a estrada torta
Recoberta de um cascalho pobre.

E só um pensamento me ocorre:
Em meu apogeu
Esta estrada
Sou eu.

Nara Rúbia Ribeiro

Noite

Ontem foi uma noite sombria.
Meu escuro interior falou mais alto,
Naqueles momentos de dor.

Apaguei todas as luzes da casa,
Sentei-me a um canto do quarto e chorei,
Como se toda a alegria do mundo
Findasse nas esquinas do tempo.

Mas, ao abrir os olhos,
Observei um vaga-lume que ziguezagueava rente ao teto.

Não pude deixar de sorrir.

Mesmo quando desistimos da luz,
Deus provê fagulhas de esperança
A iluminar nossas vidas.

domingo, 25 de setembro de 2011

Confissão de aprendizado

Vi Deus sorrindo em um balanço nos céus.
Doutra vez, ele contava carneirinhos para dormir
E eu passei a ajuda-lo, até que peguei no sono.

Deus me pegou pela mão
E me ensinou a brincar de amarelinha.

Deus me ajudou a andar de bicicleta,
A soltar pipa e a amar cata-ventos.

Deus me ensinou a conversar com borboletas
E me fez descobrir que libélulas contam segredos de esperança.

Deus me ensinou que o amor será sempre eterno,
Se registrado na última página do caderno de matemática.

Ele me mostrou que não importa se o coração sangrou muito,
Um novo amor sempre o fará bater mais e mais forte,
Porque um coração nunca morre de amar.

Deus me ensinou que a maldade alheia também é minha
Se não consigo amar aquele que não é bom.

E que não importa a turbulência do dia
Ou as tempestades da noite:
Eu devo sempre contar carneirinhos com Ele,
Porque se entristece se o fizer sozinho.

Nara Rúbia Ribeiro

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

CAMUFLAGEM

Tenho preocupações seríssimas.
Por vez, preferível mesmo é não pensar.
Daí reflito nas asas das borboletas mortas,
No louva-a-deus cabisbaixo, tacituneando incertezas...
Falo de beija-flores a defenderem seus ninhos,
Falo da delicadeza das pedras que a tudo compreendem,
Sem nada dizer.
É assim, camuflando dilacerações da alma, que escrevo.
E é assim que o peito sangra toda a dor deste mundo:
Da Sómalia aos palácios vazios de alegria,
Das crianças que envelhecem sem sonho
E dos pobres que se desamparam nas ruas da vida.

Nara Rúbia Ribeiro

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

MEUS PÉS


Aquieta-te.
Há uma estrela a morrer nos céus.
Pingos de chuva escorregaram da nuvem
E a flor do jardim das eras
Desbotara
Senil.

Ouça o silêncio que paira
E sinta a respiração ofegante dos pássaros
E o desalento dos pirilampos
E a serenidade das borboletas mortas.

Os meus pés o sentem,
Andarilhos a sangrar o passado.
Eles gotejam o infinito
Daquilo que denominam
Saudade.

Nara Rúbia Ribeiro
08 de set. de 2011

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

CANSAÇO

Estou cansada
E já não quero a força.
Quero ser quebrável,
Triturável,
Moída e desintegrada.

Quero ser pequena, pálida e frágil
E ver pássaros,
Em sentinela,
Pousarem calmamente em minha janela.

Quero ser simplesmente sonho,
Despir-me de adornos de ouro e prata,
E vestir uma armadura de pétalas amarelas.

Forjar um escudo de borboletas
E fingir afugentar leões
Ao entoar acalantos.

Quero a ousadia de esconder-me
No canto mais colorido da alma,
Quando, travestida de calma e ternura,
Eu tenha a coragem de não temer a candura.

Nara Rúbia Ribeiro

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

PROMISCUIDADE


Ainda menina,
Promíscua tornei-me a mim.
Amante, a um só tempo,
De quatro homens diferentes,
Distintos de sonho e de mente,
Com os quais alternadamente eu me deitava.

Alberto reclinava-me sobre seu peito
E me fazia sentir caminhar por outeiros
Enquanto calmamente divagava:
"Difícil é ser próprio e não ver senão o visível!"
E com ele lado a lado eu caminhava
E conseguia apalpar, com meus olhos amantes,
A poesia do coração de seu mundo.

Ricardo, a seu turno,
Com seu pensamento prensado e sóbrio,
Inspirou-me amá-lo de forma centrada e soturna,
Dizendo-me:
"Acima da verdade estão os deuses"
Mas, gozemos a vida, pois
"Gozo sonhado é gozo, ainda que em sonho."
E, após tocar com sua mão os meus lábios,
Partiu meu coração ao partir:
"Não quero"... "seu amor que oprime"
"Porque me exige amor. Quero ser livre".
"A esperança é um dever do sentimento".

Álvaro, já doente se encontrava
Quando o conheci.
Mas pude amá-lo e senti-lo,
Quando sozinho o encontrei num cais deserto
A olhar o Infinito, dizendo-me
Do "mistério alegre e triste
De quem chega e parte".
E, ao ouvir-me a dissertar
As minhas verdades de sonho e de vida,
Fitou-me, desiludido:
"Não me venha com conclusões.
A única conclusão é morrer."

Mas Fernando amou-me
E ensinou-me mais.
Nessa minha confusão de amores,
Com a alma obtusa, perdida,
Em plena desolação,
Fernando ensinou-me a namorar os meus versos
E esquecer o coração.
"Sentir", disse ele, "sinta quem lê"...
E ao ver-me intrigada de angústia,
Em meio aos meus quatro afetos,
Sentindo-me promíscua,
Impura, desleal e obscena,
Fernando sussurrou-me ao ouvido:
"Tudo vale a pena,
Se a alma não é pequena."


Ao meu primeiro namorado, Fernando Pessoa e seus heterônimos, meu eterno carinho extremo!

Nara

terça-feira, 30 de agosto de 2011

AJUDA-ME


Ajuda-me, por favor, ajuda-me...
Segura nessa outra borda,
Ela também transborda palavra.
Meu poema deve ser subscrito,
Por todos os aflitos do mundo
E carregado de bom grado,
Por todos os irmãos
Que se compadeçam
De minhas mãos.

A poesia pesa.
É uma reza comprida
Que muito nos complica
Quando se ama desmedidamente,
Em profusão.

Assim, das profundezas de meu ofício poético,
Em meu vício de versejação,
Quero um poema que não seja estético,
Mas que tenha um refrão dialético
E esteja escrito
Por mãos que incontáveis são.

Nara Rúbia Ribeiro

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

PRESENTE ABSTRATO

Segura o meu sorriso.
Guarda-o, por cem semanas,
Em uma caixa aveludada vermelha,
Lacrada, elegantemente, por um grande laço de fita azul.
Todos os dias,
Olha a caixa.
Olha com desvelo,
Como se a acariciasse.
Desfaça, somente com os olhos,
O lindo laço azul.
Mentalmente,... abra a caixa...
Meu Deus!!!
Perceberás que ela não está em silêncio.
Ouça. Ouça atentamente
As ondas do meu sorriso se propagarem no espaço.
Fecha a caixa.
Refaça o laço.
Repita o mesmo ritual
Todos os dias, de domingo a sábado, impreterivelmente.
Findo o prazo de cem semanas,
Procura-me entre as pedras de algum riacho celeste
Ou, quem sabe,
na armadura cinzenta e fria que recobre o crepúsculo da sua alma.
Juro que lhe ofertarei outro sorriso,
Sem prejuízo ou sofrimento algum.

Nara Rúbia Ribeiro

domingo, 28 de agosto de 2011

SOU GRÁVIDA

Engravidei de um caminho.
A ele ofertei a seiva da minha infância,
O néctar da juventude,
A lucidez da maturidade;
Mas o caminho não nasce.

Percebi que ele é infinitamente eu e cresce dentro em mim,
Como se me obrigasse a crescer
Para maior quilometragem conter.

Por algum tempo me perdi:
Contei desvarios e vendi desejos.
Furtei versos, fundei e afundei tantos “eus”
E me coloquei à margem de minha própria história
Esperando que o meu caminho nascesse.

Tolice!!!
Serei eterna gestante de instantes de sonhos
E descreverei em meus versos o caminho que jamais nascerá.
Mas sei que o caminho existe,
Sinto-o em mim, qual criança que remexe no ventre.

Nara Rúbia Ribeiro

PROPOSTA

Ao chegares,
Quando chegares,
(Se é que um dia chegarás)
Traga de ti todas as idades certas,
Todos as medos do mundo...
Toda toada de dor.
Traga o teu desamor
E desarma-te.

Sou teu abrigo,
E meu telhado é de vitral de esperança.
Minhas janelas,
Oráculos de azulada luz.

Meu chão é de fato o duro chão da realidade das coisas,
Mas estendo sobre ele meu tapete de ilações de afeto
E deito-te nas almofadas ali casualmente jogadas,
Em cores diversas, como o arco-íris do céu.

E entregar-te-ei a palavra mais certa
Para que de ti despertes,
Despetales a desilusão de teus sonhos
E te desprendas de tudo aquilo que não seja eu.

Nara Rúbia Ribeiro, em 2.009
para G.M.Sobrinho.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

FANTASMAS

Tenho sonhado pouco.
Dormido pouco.
Pouco de mim tem comigo estado.

Visito fantasmas constantemente
E eles também me visitam
Em noites de lua clara
Ou em dias de sombria luz.

Existe uma lacuna na alma:
A palma da mão do mundo nada diz sobre o meu destino.
Desatino.

Cantarei um hino de chão e de pó,
um hino de andarilho inútil,
Um verso fraco, falho
E humildemente só.

Nara Rúbia Ribeiro

terça-feira, 23 de agosto de 2011

ALMOÇO

O livro era minha roupa.
Dele despida,
Minha emoção era nua
E eu me envergonhava de mim.

Assim era a hora do almoço, quando eu me sentia nua de sonho
E o meu sossego era ler as coisas também sem sonho
Pares comigo, naquele instante.

Via tristezas em cebolas sérias
Via silêncios profundos no vasilhame de sal.
Pensava no ligeiro lapso de alegria
Da ave que precocemente descansa,
No cozido sobre o meu fogão...

Assim,
Lendo verdades banais
De coisas cotidianas e minhas,
A vergonha era algo rápido e ameno,
Como se o vexame de minha nudez fosse invento,
Como se recoberto de poesia o meu peito estivesse
Com vestido rodado de renda e encanto
Nas entrelinhas da minha vida inteira.



Nara Rúbia Ribeiro




BORBOLETAS

Conversei com uma borboleta
E confesso ter ouvido verdades estranhas,
Carentes de aquietação.

Nota: Borboletas andam irritadiças
Por toda essa ausência entristecida de cor.
Minha mente pretoebranqueou há tempos.
Urge regressar infâncias.

As borboletas são sinos
Da capela enlutada que sou.

Nara Rúbia Ribeiro

domingo, 21 de agosto de 2011

ENLEIO

Quero uma canção
Para ninar as estrelas.
Que seja longínqua,
Pura,
Quase silente
Cuja letra balbucie
Palavras indecifráveis aos homens.

Uma canção calma
De poeira cósmica,
Envolta por partículas de esperança.
Donde o Universo realimente o sonho,
Donde o homem descrente reencontre a fé
E donde a natureza fria se enriqueça
Da seiva de uma quase divina luz.

APRESENTAÇÃO


Ao escrever-te
Sei que de mim
Nada sabes.
Sei ainda que bem pouco
Chegarás a saber.

Sou ser distante.
Ponte entre um passado parco,
Charco de orvalho,
Bolor que agasalho nos galhos do peito,
E um descaminho futuro
Que, embora falho,
Faço trilhar,
Nos trilheiros maduros de minha ilusão.

Quero apenas que leias meus versos
E saibas que existo.
E que não desprezes o tamanho nada que sou.

Sirva-te destes poemas em bandeja grosseira
E não use talher.
Versos precisam ser saboreados à mão.
E perdoa-me a inconseqüência
De buscar
No indizível chão do teu intelecto
A seiva eterninfinda
Para as raízes do meu coração.

Nara Rúbia Ribeiro

sábado, 20 de agosto de 2011

CEGA DOS OLHOS

Padeci dos olhos da face,
Mas nasceu-me um olho terceiro,
No conclave da consciência.

Meus olhos faciais são ópio.
O olho da alma,
Caleidoscópio.

De que me adianta enxergar o concreto
Se não é o que me intriga e instiga
O intelecto?

A vida é um raio de luz
E só consigo decifrá-lo
Se minha visão corporal se reduz.

Os meus olhos veriam um raio branco
Entristecido.
Mas o olho da alma enxerga
Raios em tons diversos:
Um arco-íris multiforme
A elevar-me o sentido.

NINHO




Não gosto muito de saber
As verdades do mundo.
Prefiro inventar
Minhas próprias verdades.

Por vezes raras

Vejo jornais.

Ontem vi uma mãe,
Chorar o filho morto a tiros,
Por animais que professam
Pertencer à espécie humana.

Ao descer do prédio,
Deparei-me com uma mãe beija-flor.
Ela construiu seu ninho
Em cima da minha garagem.

Quando me viu, colocou-se entre mim e o ninho,
Batia as asas, ameaçava atacar-me,
E retornava à proteção de seus ovos.

Cheguei a pensar comigo:
- Será que essa mãe viu o jornal da tarde¿
Olhei bem para aquele ser minúsculo,
Dócil, frágil,
Que tentava afugentar-me a todo custo,
E disse:
Fica em paz,
Minha forma ainda é humana,
Mas meu coração passarinho.

Nara Rúbia Ribeiro

LACUNA

Existe uma lacuna na alma.

Silêncios borbulhantes
De alegrias vazias.

A palma da mão do mundo
Nada diz sobre o meu destino.

Talvez me salve o instinto
Ou a inspiração de algo além.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

CONSELHO

Siga a seta,
Mas saiba:
Não existe reta,
Meta imutável,
Sorte traçada.

A glória é pódium das Eras
Que ultrapassam as quimeras do agora.
Ora.
Medita a desmedida gratidão
E desminta, em teu íntimo, os teus muitos "nãos".

O sonho que almejas
É salutar ao toque das mãos.
Contudo, o Universo do agora
Sempre chora
Enquanto sereno elabora
O seleto céu
do teu coração.

Pastagem


Meu avô possuía
Um pedaço de chão
Para que o seu gado pastasse.

Quando os bezerros nasciam,
Além do leite da mãe,
Possuíam o alento da terra
Plana, em pastos feitos,
Para que sonhassem ser gente
Ao olharem a campina
E saberem-se senhores de toda a pastagem.

Os bezerros do meu avô
Fariam inveja a crianças várias.
Pois estas já nascem
De um ventre de sonho partido,
Deparam-se com seios enxutos
De uma mãe desnutrida,
E observam, ao redor de si
Amontoados de lixo e um sem tanto de semiviventes
Que sonha e que ama,
E finge que nada sente,
Afinal, eles sabem,
Todos sabem disso:
"- O que vale ao mundo
O sentir de um catador de lixo?"

Meu avô queria que os seus bezerros se enxergassem gente.
Imagino, tristemente, a cena,
De um menino, em pronta miséria,
Em seu momento lúdico,
Sonhar pastar, bezerrinho alegre,
Pelos pastos formados por meu avô.

domingo, 14 de agosto de 2011

CONTRASTE

A paz que sinto é dissonância.
O medo, multiforme.
A ânsia de amor é contraste.

Fingir indiferença talvez seja o norte primeiro.
Subir a montanha mais alta
E contemplar o preconceito dos homens,
Como ele se estivesse ao pé dos meus sonhos.

Mas decidi caminhar pelas ruas concretas
Do finito das almas,
Enfeitiçar seus ladrilhos
E fazê-los plumas de esperança.




Eu acredito em inspiração.
Mas creio que, por vezes, ela nos vem pelo exercício cerebral. Pela curiosidade menina de brincar com as palavras.Quando não sei o que escrever, vou ao msn e falo com meu amigo Ivan Hanauer: Ivan, manda aí 5 ou 6 palavras. Ele as diz aleatoriamente e, a partir delas, busco a "inspiração".rs

Acho escrever algo muito encantado. É minha forma de brincar, crescer, aproximar-me de mim, e, talvez o mais importante, aproximar-me de pessoas encantadoras com quem tenho a honra de me relacionar.

PROFISSÃO DE FÉ


Ser poeta é profissão?
Sim, é profissão de fé.

Poeta descrente:
Poesia silente.
Desemprego iminente.

Só se habilita
Aquele que acredita.

OBSERVAÇÃO

Fito o horizonte vasto.
Lastreio o coração
Com cristais de candura
E diamantes de luz,
E confesso:
Roubo cores do crepúsculo
Para tornar ainda mais colorida
A aurora do pensamento.

Meu coração é, por vezes, calado.
Silêncio roubado no vácuo mais que profundo
Das indiferenças do mundo.

O meu verdadeiro eu, assim como o seu,
Também é invisível
E pouco vejo em mim
Daquilo que desejo.

Não aprendi a lidar direito
Com as dores do peito.
Talvez eu queira, de fato, sofrer.

Conheço quem adoce a própria vida
Com o sal de suas lágrimas vertidas.
Percebo, então,
Que choro feliz.

Tenho a dádiva de ver rasgar-me o solo da alma
No aprofundamento de minha própria raiz.

ABANDONO

Noite escura.

Em flagrante abandono,
Sentada,
A espera do nada
A criança, inebriada em angústia,
Desacordava o sentir.

Na calçada suja
Seus descalçados pés
Pareciam se afogar
No imenso e morto mar
Dos seus olhos infantis.

Lembrei-me do que eu deveria ter sido
E não fui.

Olhei minhas mãos:
Elas eram sãs,
Mas não estavam limpas.
Não havia calosidade nelas.

Quem tem mãos de fada
E encantamento não faz
Tem um fado triste.
Vê o inferno
E o admite.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

REFLEXÃO FEMININA


A uma mulher, sempre é dado o direito de esperar.
E assim o amor nos chega (ou não chega): à espera, de espera,
Muitas vezes áspero de cansaço,
Outras vezes mirrado pelo calor dos dias.
Vezes tantas, quase nem chega,
Como se debochasse da nossa ilusão.


A uma mulher, sempre é dado o direito esperar.
Quem sabe um olhar amável, um pequeno revés de ciúme,
Migalhas.
A uma mulher, sempre é dado o direito de ver enigmas que não existem,
Possibilidades incorretas e abstratas e loucas.
Uma mulher pode, sempre, ver razão para amar
Mesmo sem nada receber em troca.
Sonhar com mãos que não a tocam,
Ver desejos em olhos pífios
Ver força na fraqueza de homens vieram a nada
E por nada ficaram.

A uma mulher sempre é dado o direito de ficar à espera
À espreita, desejo e sonho represados.
Fingir que não sente,
Fazer-se de moderna e morna e morrer de amor por dentro,
Afogada de encantos tortos e verdades intocadas.


Mas a mediocridade da espera não gera .
A uma mulher, força e feliz tecelã da existência humana,
É dado, ainda, o dever de desesperar o século
E fazer florir, na cratera de todas as eras,
Um amor concreto e desmedidamente seu.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

“Quero falar de uma coisa”

“Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar”
Milton Nascimento

Dia 11 de agosto de 1827 foi uma data festiva para o povo brasileiro: Dom Pedro I instituíra o primeiro curso de ciências jurídicas e sociais, no Brasil. Em virtude deste feito imperial, cem anos depois, escolheu-se o dia 11 de agosto para que fossem homenageados os estudantes de todo o país.

Hoje, 11 de agosto de 2.010, percebo que é necessário, ao fazermos tais homenagens, estar atentos ao que significado da data.

O termo “estudante” não raras vezes é associado ao jovem em seu primeiro estágio de estudo formal e muito perdemos se adotarmos como correta tal percepção.

O “ser estudante” é um estado de espírito. Estudante é todo aquele que, a despeito de todas as verdades que julga saber, ainda se encanta com a possibilidade de aprender.

Ser estudante é buscar alternativas e não aceitar as mazelas do mundo como forças definitivas.

Ser estudante é contender, brigar, brincar de amar e ser feliz por breve tempo, por pouco espaço de horas, mas fazer destas horas uma elegia à vida e à sua magnitude suprema.

Ser estudante é tolerar o intolerante, mas rechaçar a intolerância. É dar espaço ao novo e inovar, sem jamais desaprender a simplicidade.

Ser estudante é ter como gloriosa a maestria do tempo e aprender com ele, nas batidas do relógio, que o que conta é a hora intensamente vivida, o sonho concretizado na luta e a esperança espelhada na perseverança nossa de cada dia.

Estudante é todo aquele que segue o conselho socrático e busca aprender um tanto mais de si mesmo; encantando-se, tantas vezes, ao perceber, em seu estudioso coração, essências sublimadas, sentimentos imensuráveis, sonhos de dignidade e de justiça que sobreviveram às decepções havidas pela vida a dentro.

Milton Nascimento mostrou-se feliz ao descrever o que seria, em sua visão poética, um coração de estudante. Para o poeta, o coração de estudante é ”Alegria e muito sonho/Espalhados no caminho/Verdes, planta e sentimento/Folhas, coração/Juventude e fé.”
Hoje, dia 11 de agosto, cabe a cada um de nós encontrar o seu próprio coração de estudante. O Milton dá uma pista: “Adivinha onde ela anda/Deve estar dentro do peito/Ou caminha pelo ar/Pode estar aqui do lado/Bem mais perto que pensamos”. Bem mais perto que pensamos... bem mais perto!

PANGEA POÉTICA para Mia Couto


No princípio
Éramos juntos
E viu Deus que isso era bom.

Mas angustiei-me de alegria em excesso
E, em triste manhã,
Não li,
Não senti,
Eu não sonhei os teus versos.

Deus, desiludido de mim,
Em ação irrefletida e forte,
Fez abrir uma fenda estranha,
(Tenebroso castigo)
Entre o teu continente e o meu:
Assim nasceu o Atlântico.

Fiz-me vã vereda do céu,
Enterrei-me de abismos,
Envenenei-me de mar.
Assaltei as asas do tempo,
E sobrevoei os ventos que vieram dos cimos do sonho:
Sempre estive a procurar por ti.

E que assim compreendas
A emoção que nestas páginas verti:
É a emoção de dedilhar os teus versos.
O teu poema é poesia de espera
Pela qual procurei
Pelos veios de todas as eras.


DESLUMBRAMENTO


Meu deslumbramento descabia.
Eu era toda encantação.
Fui me aproximando,
Sem jeito,
Até que fitei aqueles olhos de perto.

Sim, ele tem olhos de contar estrelas.

Vi centenas mil
Estrelas pequeninas,
No azul daqueles olhos.

Mas o meu mundo emudeceu.

Percebi que as estrelas boiavam
Num mar calmo e triste
De uma lágrima infantil.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

LÁGRIMA

Deitei-me calmamente.
Sobre a minha face,
Uma lágrima se deixava evaporar
Silente,
Sabedora do eterno ciclo das águas.

Arrependi-me.
Quisera ter colhido aquela gotícula de dor
Em um frasco colorido
Pintado com motivos florais.

Desde então,
Dei para sorver,
Em dias tempestuosos,
A água da chuva
Na esponja da alma.


E em tudo aquilo que me alaga o peito
Eu sinto o gosto daquela lágrima

TRIBUTO A MIA COUTO

"Acendemos paixões no rastilho do próprio coração.
O que amamos é sempre chuva, entre o voo da nuvem
e a prisão do charco." Mia Couto

Caro Mia,
Em minha ignorância suprema,
Não sabia que existias.
Em chuvoso e inebriado dia,
Encontrei-te asseverando que é a prisão do charco
O termo final do amor que forjamos.
Encharquei-me de ti.
Aprendi que orvalho tem raiz,
Que "cada homem é uma raça" e que,
A despeito de todas as coisas,
A terra nos pode presentear com "estórias abensonhadas".
Talvez por isso eu te abensonhe eternamente.
Contigo naveguei por um "rio chamado tempo".
E ao ler-te compreendi que a "terra é sonâmbula"
E que a Língua Portuguesa é bem mais que uma língua...
Aprendi que a Língua Portuguesa é proeza.
Tua prosa é poesia pronta,
E quando leio o que escreves,
Meio tonta,
Tateio meu intelecto e percebo
Que dele não preciso
Para captar o que queres.
A tua alma à minha se alinha,
Na prosa em que constróis castelos de dor realista
Ou na poesia em que de amor definhas.

Espera


Chegará a hora exata,
O momento certo,
Quando a voz será nítida
E o telhado da alma
Descoberto.

Uma venda cairá.
Olhar desperto
No sorrir incerto de um antigo sonho.

A alma cristalina:
A lima da calma
A afiar infinitudes
Para o retalhar dos tempos.

Verás que nada é lento.
Que a eternidade se expande
Num só e sagrado momento
E se encolhe ao pé da alma
Na lágrima de toda e qualquer criança.


ANÚNCIO


Estou vendendo uma margem de um rio.
Dela verás refletir,
No remanso das águas,
Teu sentimento, tua face
E até a tua obscura idéia se fará mostrar.

Ali sentirás o vento a embaraçar teus cabelos
E perceberás que cabelos alinhados já não são necessários.
Uma areia fina entrará em teus sapados
E os sapatos se mostrarão desconfortáveis e pouco úteis também.

Pouco importará que estejas vestindo ternos clássicos
Ou um bermudão surrado e uma camiseta velha.
À margem do rio, tudo que é obscuro se transformará em cura,
E as tuas ataduras se permutarão em laços coloridos.

À margem do rio ninguém estará à margem.

Todos os dias, quando me assusto com a rapidez das horas,
Com a lassidão das almas, com o preço da liberdade
Ou com a frouxidão do meu propósito,
Recorro, sem pressa, à minha margem do rio.

E quando estou ali, mesmo que me cerquem homens sisudos,
Mulheres histéricas, dias cinzentos ou sombrias verdades,
Verto de vida a artéria dos meus dias e me vejo serenar de novo.

Hoje, ofereço-te a tua própria margem do rio,
Pelo preço da atenção dispensada a estes versos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

CALMA

Se quiser namorar-me,
Tenha calma.
Traga na alma a lembrança de que sou sonho
E não posso ser tocada do nada
Ou beijada como se mortal eu fosse.

Faça de mim algo doce,
Enfeitado de estrelas,
Enfeitiçado de ausências
E para sempre presente nos intervalos de sua respiração.

Ouça o coração
Mas o faça pulsar baixinho
Para não ofuscar o brilho do meu silêncio.
Saiba que o meu coração é cristal de crepúsculo
Poeira de astros longínquos e puros;
Não é barro que se possa moldar,
Por mais perfeito que seja o artífice.

Se quiser namorar-me,
Que seja sem pressa e sem dores,
Já verti sangue e suor
E vi desfalecerem mil flores.

Quero apenas o beijo insano,
A proposta instantânea e a mais errônea vontade
De ser sempre sua,
Mas não hoje,
De ser sempre sua mais tarde.

ABSINTO


Sentir você:
Centelha divina
Embevecida de hortelã.

Absinto absorvido na pele
Que impele saciar-me um pouco mais.

Como posso encontrá-lo entre os mortais
E seguir em paz?

Seus olhos,
Em revoada,
Pousam nos umbrais do meu sonho.

Então me proponho ser sua
Embora eu saiba que os seus pássaros
Em outras almas também pousarão.

E repouso em seus braços
Como se deles deslumbrasse o céu.

LIMITAÇÃO

Meu coração é cristal de crepúsculo
Misturado à poeira batida do chão dessa estrada.
Poeira cósmica que beira o nada
E que me impediu de dar a ti
O diamante que pedes.

Confesso que pouco existo
E que o coração bate apenas por capricho
De fazer circular um sangue que tão pouco é meu.

Siga as estrelas,
Respira o sagrado silêncio imortal do universo,
Redija um verso nobre com a intensidade do infinito,
E saberás que sempre estou e estarei presente,
Em sonho, névoa,
Ou no sono de um céu poente.

Desamanhecimento

Quando o dia desamanheceu,
Era quase muda a quietude da calma.

Estrelas borboletavam sonolentas
E a lentidão do destino alardeava silêncios.


O jeito foi desatolar a inexistência das cores
E ver a beleza negra da vida
Prestar homenagem a essa alegria sem nome
De tudo aquilo que se esvai.

ESTRELA

Quisera ser tua estrela
A iluminar-te graciosamente
Nas noites mais enegrecidas.

Uma estrela sem nome,
Sem renome algum.

Um astro cadente
Decadente
Carente
A cair em teus braços.

Na incoerência desse encanto,
Ao ver o desenhar de luzes no amanhecer dos teus olhos,
Desdenhar de todos os demais mortais.

Do orvalhar do teu corpo,
Reinventar mil modos de saciar-me a sede da tua essência.
Aprender os segredos do teu sorriso,
Destilar em teus lábios o quanto deles preciso
E precipitar-me na ilusão de amar-te, indefinidamente.

Quisera ser tua estrela,
Em uma noite densa e fria,
Quando ainda mais se evidenciasse o calor das almas.
E estas nossas almas, há tanto conhecidas,
Ensinariam nossos desconhecidos corpos
A trilharem os mil sonhos a que me proponho.

Depois disso eu perguntaria o teu nome,
Antes que a tua aurora me embargasse a luz.

DESCOBRIMENTO


Quando descobri o mundo
Ele estava desnudado e sujo.
Ressaqueado, ar de deboche,
Deitado rente à calçada de todos os sonhos,
E tentava esconder a nudez com as mãos.

Foi preciso redescobri-lo mil vezes,
Para enxergar além da aparência hostil.

Hoje, quero cobri-lo com colcha de felpuda,
Colocá-lo em meu colo
E contar histórias de esperança
Para que possa adormecer seguro.

FLORISTA


-"Aceita uma rosa?"
Perguntou a pequena florista
À bela jovem d'alma arrefecida de ausências.
Esta sorriu, indiferente,
E nada respondeu.
A florista perguntou novamente:
-"Aceita uma rosa?"
E a bela segredou-lhe, baixinho:
- "Não... já não me alegra a ternura das flores,
Pois minhas mãos enfaixadas estão
E é tão triste o meu caminho!
Não sou digna do perfume das rosas,
Pois com minhas mãos retirei,
De minha fronte,
A minha própria coroa de espinhos."

DEUS CRIANÇA

Eu quero um deus criança
Que solte pipa,
Suba em árvores e brinque com cata-ventos.

Um deus com a beleza das nascentes límpidas,
Imaculadas da honraria e da glória.
Um deus que só amenidades minta,
Que não se esvaísse nos céus
E não nos culpasse tanto.

Quero um deus que chore com dor de dente,
Um deus de carne e osso e que tudo sinta,
E que compreenda
Que só queremos ser felizes,
Por mais que as cicatrizes nos façam descrer.

Quero mesmo é um deus criança que goste de dança
Cante cantigas de roda, aprecie as de ninar
E que ainda não saiba ler ou escrever.
Um deus que desobedecesse a gravidade de si mesmo
E se deixasse escorregar a esmo
Pelas águas que fez nascer.

Quero um deus criança
Que queira por demais o meu colo
Assim como almejo
O cintilar dos seus olhos.


P.S.: procurei pela net a foto do meu deus criança... algo que pudesse ilustrar o poema, não consegui achar nada. É que o meu deus criança é feito de inexistências.
Fico devendo...

INEXISTÊNCIA



Quando criança
Sofrimento precoce
Eu brincava, às vezes,
De não existir.

E quando eu não existia
A quintessência do nada
Me acalantava a alma
E eu me sentia feliz sem mim.

Data desse tempo
Minha sede de inexistência.
Escondida à sombra dos abismos do mundo,
Ria, menina peralta,
Ao pensar que o Universo me procurava em vão.

Elegia à Paixão Primeira

Não, eu não quero perder-te.
Quero prender-te e podar-te as asas.
Quero que não cantes,
Quero que não sonhes,
Quero que te ponhas em tua triste gaiola de prata
Que me olhes com ternura de espera eterna
E que perdoes a minha vileza.

Não, não quero perder-te.
Quero subir à estrela mais bela
E, de seu raio mais certo, pender-te.
Quero-te preso, sufocado e minguado de afeto,
Mas não, eu não quero perder-te.

Quero que renegues tuas verdades mais santas,
Quero que refutes as ordenanças mais castas,
Quero que desabes nos despenhadeiros de todas as coisas
E que caias em mim
E que te aconchegues na palma da minha mão.

Não, não quero perder-te.
Quero que definhes aos meus pés
Que limpes o convés do navio dos meus sonhos
E que faças revés
A dor que em meu peito és.

TEORIA


Minha teoria
É que a fragilidade é mais poderosa que a força.
Mesmo o ser mais sensível
É capaz de assassinar um leão,
Sem sentir-se desonrado.
Mas ninguém é capaz de massacrar um colibri
Sem se sentir desintegrado por dentro

domingo, 7 de agosto de 2011

Verdades


Escolhi brincar com verdades,
mas eram cortantes
tal qual diamantes na vidraça da alma.

Mudei,
decidi regar um jardim de nuvens
e alimentar borboletas furtivas
com o nectar dos meus segredos.

Besteira,
bom mesmo é deixar as verdades
forjarem frestas no peito.
Assim as borboletas entram e fazem morada.

Gênese


Em dia de caos,
Adoeci das virtudes.

Olhei formiga; desejei cadáver.

A infeliz videnciou o ensejo.
Ajoelhou-se.
Olhou os céus, fitou estrelas,
Contemplou-me os olhos detidamente.
E, em êxtase,
Caminhou resoluta,
A exemplo dos primitivos cristãos.

Pasmei.
O deus das formigas verberou:
- “Haja luz!”
E uma centelha ascendente
Cravejou a face oculta do meu sentido.
Senti.

E viu Deus que isso era bom.

LESMEAR


Plasmei uma montanha sem cimos
Num horizonte sem aporte no tempo.
Um colibri abriu as asas
E protegeu a imensidão do destino.

Era noite e eu não sonhava.
Precisava contemplar os muros
E ver até onde daria
Aquele visgo rastejante das lesmas.

Minha mãe notou a cama vazia
E tomou norte do quintal da casa,
Ralhando desinconformada.

Lesmeei.
Na lentidão dos meus passos,
Deixei rastros luminescentes no chão.

É assim que se faz história.

sábado, 6 de agosto de 2011

NEOVERBOS

Quando eu era menina
Dizia: - Mãe, desdá esse nó pra mim?
Minha mãe achava o verbo desdar
Engraçado sem tanto
E ria muito,
Mas desdava o nó.

Nunca aceitei direito
Aquele riso da mãe.
Se eu desconsertava a palavra,
Era desonroso que lhe zombassem.
E a menininha taciturneava.

Ontem pedi para a mãe das estrelas
Desdar o nó das entrelinhas do tempo.
A mãe estrelar não sorriu,
Mas também não desdeu o nó.

Manoel de Barros que bem sabe tudo,
Já disse que a poesia das coisas
Está na graça verbal.

Tenho sonho de que a mãe das estrelas
Ora desate a gargalhar.
Depois que envelheci,
Não ligo mais para enxovalhos.
Os neoverbos também não.

HUMANESSÊNCIA


Não tenho medo do escuro da noite.
Temo, em verdade,
Quando o meu escuro anoitece.
O breu da alma tem infinitas gradações,
Se anoitecido.

Anjo falciforme,
Uma borboleta dourada vesgou-me os olhos
Ao pousar na ponta do meu nariz.

Veio em missão evangélica
Revelar que Deus, por capricho,
Condensou o néctar do sentimento dos homens
No coração de um colibri.

O futuro não mais se apavora com minha ausência de luz.
Eis agora descoberto
O reservatório da humanessência.

Mandamintos


Não é certo fazer pacto com borboletas.
Não acho certo.

Deveria ser crime
Prosear com passarinhos
Ou observar detidamente
A gota de orvalho
Em meio às pétalas entreabertas da aurora.

Errado deixar-se atrair por bolhas de sabão.
Obsceno ficar espiando o acasalamento das cores
No alaranjar do crepúsculo.

É cruel observar inerte
O trabalho escravo das formigas.

Desumano mesmo é achar
Que pirilampo também é gente.

As leis do Estado
Deveriam tolher um tanto mais
Essa poesia indecorosa das coisas
E condenar à morte os poetas,
Esses deploráveis reinventores
Do vetor das essências.

Historinha pra ninar gigante




Ao meu gigantesco amigo,
Jorge Kajuru.

Um rei despótico
Ordenou que fossem mortos
Todos os pássaros do seu reino.
Assim se cumpriu.

Daquele dia em diante
O canto que nascia vinha das entranhas das pedras.
Deu-se uma quebra no encantamento das coisas
E dragões desembocaram do espaço.
Parecia que o mundo inteiro findava.

O rei,
Desobrigado de sonho,
Fechou os seus olhos de esquecer de acordar.
Então, as crianças se aliaram aos poetas
E desenharam um poema
De passarinhos ressuscitados.

Foi aí que pequeninas pedras
Animaram-se a levitar.
Pouco a pouco ganharam penas,
Bico, asas, gorjeio de pássaro.
E as crianças descobriram
Que pedrinhas coloridas são passarinhos disfarçados de chão.
Segredo milenarmente guardado.
Só o sabem as crianças e os poetas.