sábado, 20 de agosto de 2011

CEGA DOS OLHOS

Padeci dos olhos da face,
Mas nasceu-me um olho terceiro,
No conclave da consciência.

Meus olhos faciais são ópio.
O olho da alma,
Caleidoscópio.

De que me adianta enxergar o concreto
Se não é o que me intriga e instiga
O intelecto?

A vida é um raio de luz
E só consigo decifrá-lo
Se minha visão corporal se reduz.

Os meus olhos veriam um raio branco
Entristecido.
Mas o olho da alma enxerga
Raios em tons diversos:
Um arco-íris multiforme
A elevar-me o sentido.

NINHO




Não gosto muito de saber
As verdades do mundo.
Prefiro inventar
Minhas próprias verdades.

Por vezes raras

Vejo jornais.

Ontem vi uma mãe,
Chorar o filho morto a tiros,
Por animais que professam
Pertencer à espécie humana.

Ao descer do prédio,
Deparei-me com uma mãe beija-flor.
Ela construiu seu ninho
Em cima da minha garagem.

Quando me viu, colocou-se entre mim e o ninho,
Batia as asas, ameaçava atacar-me,
E retornava à proteção de seus ovos.

Cheguei a pensar comigo:
- Será que essa mãe viu o jornal da tarde¿
Olhei bem para aquele ser minúsculo,
Dócil, frágil,
Que tentava afugentar-me a todo custo,
E disse:
Fica em paz,
Minha forma ainda é humana,
Mas meu coração passarinho.

Nara Rúbia Ribeiro

LACUNA

Existe uma lacuna na alma.

Silêncios borbulhantes
De alegrias vazias.

A palma da mão do mundo
Nada diz sobre o meu destino.

Talvez me salve o instinto
Ou a inspiração de algo além.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

CONSELHO

Siga a seta,
Mas saiba:
Não existe reta,
Meta imutável,
Sorte traçada.

A glória é pódium das Eras
Que ultrapassam as quimeras do agora.
Ora.
Medita a desmedida gratidão
E desminta, em teu íntimo, os teus muitos "nãos".

O sonho que almejas
É salutar ao toque das mãos.
Contudo, o Universo do agora
Sempre chora
Enquanto sereno elabora
O seleto céu
do teu coração.

Pastagem


Meu avô possuía
Um pedaço de chão
Para que o seu gado pastasse.

Quando os bezerros nasciam,
Além do leite da mãe,
Possuíam o alento da terra
Plana, em pastos feitos,
Para que sonhassem ser gente
Ao olharem a campina
E saberem-se senhores de toda a pastagem.

Os bezerros do meu avô
Fariam inveja a crianças várias.
Pois estas já nascem
De um ventre de sonho partido,
Deparam-se com seios enxutos
De uma mãe desnutrida,
E observam, ao redor de si
Amontoados de lixo e um sem tanto de semiviventes
Que sonha e que ama,
E finge que nada sente,
Afinal, eles sabem,
Todos sabem disso:
"- O que vale ao mundo
O sentir de um catador de lixo?"

Meu avô queria que os seus bezerros se enxergassem gente.
Imagino, tristemente, a cena,
De um menino, em pronta miséria,
Em seu momento lúdico,
Sonhar pastar, bezerrinho alegre,
Pelos pastos formados por meu avô.

domingo, 14 de agosto de 2011

CONTRASTE

A paz que sinto é dissonância.
O medo, multiforme.
A ânsia de amor é contraste.

Fingir indiferença talvez seja o norte primeiro.
Subir a montanha mais alta
E contemplar o preconceito dos homens,
Como ele se estivesse ao pé dos meus sonhos.

Mas decidi caminhar pelas ruas concretas
Do finito das almas,
Enfeitiçar seus ladrilhos
E fazê-los plumas de esperança.




Eu acredito em inspiração.
Mas creio que, por vezes, ela nos vem pelo exercício cerebral. Pela curiosidade menina de brincar com as palavras.Quando não sei o que escrever, vou ao msn e falo com meu amigo Ivan Hanauer: Ivan, manda aí 5 ou 6 palavras. Ele as diz aleatoriamente e, a partir delas, busco a "inspiração".rs

Acho escrever algo muito encantado. É minha forma de brincar, crescer, aproximar-me de mim, e, talvez o mais importante, aproximar-me de pessoas encantadoras com quem tenho a honra de me relacionar.

PROFISSÃO DE FÉ


Ser poeta é profissão?
Sim, é profissão de fé.

Poeta descrente:
Poesia silente.
Desemprego iminente.

Só se habilita
Aquele que acredita.

OBSERVAÇÃO

Fito o horizonte vasto.
Lastreio o coração
Com cristais de candura
E diamantes de luz,
E confesso:
Roubo cores do crepúsculo
Para tornar ainda mais colorida
A aurora do pensamento.

Meu coração é, por vezes, calado.
Silêncio roubado no vácuo mais que profundo
Das indiferenças do mundo.

O meu verdadeiro eu, assim como o seu,
Também é invisível
E pouco vejo em mim
Daquilo que desejo.

Não aprendi a lidar direito
Com as dores do peito.
Talvez eu queira, de fato, sofrer.

Conheço quem adoce a própria vida
Com o sal de suas lágrimas vertidas.
Percebo, então,
Que choro feliz.

Tenho a dádiva de ver rasgar-me o solo da alma
No aprofundamento de minha própria raiz.

ABANDONO

Noite escura.

Em flagrante abandono,
Sentada,
A espera do nada
A criança, inebriada em angústia,
Desacordava o sentir.

Na calçada suja
Seus descalçados pés
Pareciam se afogar
No imenso e morto mar
Dos seus olhos infantis.

Lembrei-me do que eu deveria ter sido
E não fui.

Olhei minhas mãos:
Elas eram sãs,
Mas não estavam limpas.
Não havia calosidade nelas.

Quem tem mãos de fada
E encantamento não faz
Tem um fado triste.
Vê o inferno
E o admite.