sexta-feira, 12 de agosto de 2011

REFLEXÃO FEMININA


A uma mulher, sempre é dado o direito de esperar.
E assim o amor nos chega (ou não chega): à espera, de espera,
Muitas vezes áspero de cansaço,
Outras vezes mirrado pelo calor dos dias.
Vezes tantas, quase nem chega,
Como se debochasse da nossa ilusão.


A uma mulher, sempre é dado o direito esperar.
Quem sabe um olhar amável, um pequeno revés de ciúme,
Migalhas.
A uma mulher, sempre é dado o direito de ver enigmas que não existem,
Possibilidades incorretas e abstratas e loucas.
Uma mulher pode, sempre, ver razão para amar
Mesmo sem nada receber em troca.
Sonhar com mãos que não a tocam,
Ver desejos em olhos pífios
Ver força na fraqueza de homens vieram a nada
E por nada ficaram.

A uma mulher sempre é dado o direito de ficar à espera
À espreita, desejo e sonho represados.
Fingir que não sente,
Fazer-se de moderna e morna e morrer de amor por dentro,
Afogada de encantos tortos e verdades intocadas.


Mas a mediocridade da espera não gera .
A uma mulher, força e feliz tecelã da existência humana,
É dado, ainda, o dever de desesperar o século
E fazer florir, na cratera de todas as eras,
Um amor concreto e desmedidamente seu.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

“Quero falar de uma coisa”

“Adivinha onde ela anda
Deve estar dentro do peito
Ou caminha pelo ar”
Milton Nascimento

Dia 11 de agosto de 1827 foi uma data festiva para o povo brasileiro: Dom Pedro I instituíra o primeiro curso de ciências jurídicas e sociais, no Brasil. Em virtude deste feito imperial, cem anos depois, escolheu-se o dia 11 de agosto para que fossem homenageados os estudantes de todo o país.

Hoje, 11 de agosto de 2.010, percebo que é necessário, ao fazermos tais homenagens, estar atentos ao que significado da data.

O termo “estudante” não raras vezes é associado ao jovem em seu primeiro estágio de estudo formal e muito perdemos se adotarmos como correta tal percepção.

O “ser estudante” é um estado de espírito. Estudante é todo aquele que, a despeito de todas as verdades que julga saber, ainda se encanta com a possibilidade de aprender.

Ser estudante é buscar alternativas e não aceitar as mazelas do mundo como forças definitivas.

Ser estudante é contender, brigar, brincar de amar e ser feliz por breve tempo, por pouco espaço de horas, mas fazer destas horas uma elegia à vida e à sua magnitude suprema.

Ser estudante é tolerar o intolerante, mas rechaçar a intolerância. É dar espaço ao novo e inovar, sem jamais desaprender a simplicidade.

Ser estudante é ter como gloriosa a maestria do tempo e aprender com ele, nas batidas do relógio, que o que conta é a hora intensamente vivida, o sonho concretizado na luta e a esperança espelhada na perseverança nossa de cada dia.

Estudante é todo aquele que segue o conselho socrático e busca aprender um tanto mais de si mesmo; encantando-se, tantas vezes, ao perceber, em seu estudioso coração, essências sublimadas, sentimentos imensuráveis, sonhos de dignidade e de justiça que sobreviveram às decepções havidas pela vida a dentro.

Milton Nascimento mostrou-se feliz ao descrever o que seria, em sua visão poética, um coração de estudante. Para o poeta, o coração de estudante é ”Alegria e muito sonho/Espalhados no caminho/Verdes, planta e sentimento/Folhas, coração/Juventude e fé.”
Hoje, dia 11 de agosto, cabe a cada um de nós encontrar o seu próprio coração de estudante. O Milton dá uma pista: “Adivinha onde ela anda/Deve estar dentro do peito/Ou caminha pelo ar/Pode estar aqui do lado/Bem mais perto que pensamos”. Bem mais perto que pensamos... bem mais perto!

PANGEA POÉTICA para Mia Couto


No princípio
Éramos juntos
E viu Deus que isso era bom.

Mas angustiei-me de alegria em excesso
E, em triste manhã,
Não li,
Não senti,
Eu não sonhei os teus versos.

Deus, desiludido de mim,
Em ação irrefletida e forte,
Fez abrir uma fenda estranha,
(Tenebroso castigo)
Entre o teu continente e o meu:
Assim nasceu o Atlântico.

Fiz-me vã vereda do céu,
Enterrei-me de abismos,
Envenenei-me de mar.
Assaltei as asas do tempo,
E sobrevoei os ventos que vieram dos cimos do sonho:
Sempre estive a procurar por ti.

E que assim compreendas
A emoção que nestas páginas verti:
É a emoção de dedilhar os teus versos.
O teu poema é poesia de espera
Pela qual procurei
Pelos veios de todas as eras.


DESLUMBRAMENTO


Meu deslumbramento descabia.
Eu era toda encantação.
Fui me aproximando,
Sem jeito,
Até que fitei aqueles olhos de perto.

Sim, ele tem olhos de contar estrelas.

Vi centenas mil
Estrelas pequeninas,
No azul daqueles olhos.

Mas o meu mundo emudeceu.

Percebi que as estrelas boiavam
Num mar calmo e triste
De uma lágrima infantil.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

LÁGRIMA

Deitei-me calmamente.
Sobre a minha face,
Uma lágrima se deixava evaporar
Silente,
Sabedora do eterno ciclo das águas.

Arrependi-me.
Quisera ter colhido aquela gotícula de dor
Em um frasco colorido
Pintado com motivos florais.

Desde então,
Dei para sorver,
Em dias tempestuosos,
A água da chuva
Na esponja da alma.


E em tudo aquilo que me alaga o peito
Eu sinto o gosto daquela lágrima

TRIBUTO A MIA COUTO

"Acendemos paixões no rastilho do próprio coração.
O que amamos é sempre chuva, entre o voo da nuvem
e a prisão do charco." Mia Couto

Caro Mia,
Em minha ignorância suprema,
Não sabia que existias.
Em chuvoso e inebriado dia,
Encontrei-te asseverando que é a prisão do charco
O termo final do amor que forjamos.
Encharquei-me de ti.
Aprendi que orvalho tem raiz,
Que "cada homem é uma raça" e que,
A despeito de todas as coisas,
A terra nos pode presentear com "estórias abensonhadas".
Talvez por isso eu te abensonhe eternamente.
Contigo naveguei por um "rio chamado tempo".
E ao ler-te compreendi que a "terra é sonâmbula"
E que a Língua Portuguesa é bem mais que uma língua...
Aprendi que a Língua Portuguesa é proeza.
Tua prosa é poesia pronta,
E quando leio o que escreves,
Meio tonta,
Tateio meu intelecto e percebo
Que dele não preciso
Para captar o que queres.
A tua alma à minha se alinha,
Na prosa em que constróis castelos de dor realista
Ou na poesia em que de amor definhas.

Espera


Chegará a hora exata,
O momento certo,
Quando a voz será nítida
E o telhado da alma
Descoberto.

Uma venda cairá.
Olhar desperto
No sorrir incerto de um antigo sonho.

A alma cristalina:
A lima da calma
A afiar infinitudes
Para o retalhar dos tempos.

Verás que nada é lento.
Que a eternidade se expande
Num só e sagrado momento
E se encolhe ao pé da alma
Na lágrima de toda e qualquer criança.


ANÚNCIO


Estou vendendo uma margem de um rio.
Dela verás refletir,
No remanso das águas,
Teu sentimento, tua face
E até a tua obscura idéia se fará mostrar.

Ali sentirás o vento a embaraçar teus cabelos
E perceberás que cabelos alinhados já não são necessários.
Uma areia fina entrará em teus sapados
E os sapatos se mostrarão desconfortáveis e pouco úteis também.

Pouco importará que estejas vestindo ternos clássicos
Ou um bermudão surrado e uma camiseta velha.
À margem do rio, tudo que é obscuro se transformará em cura,
E as tuas ataduras se permutarão em laços coloridos.

À margem do rio ninguém estará à margem.

Todos os dias, quando me assusto com a rapidez das horas,
Com a lassidão das almas, com o preço da liberdade
Ou com a frouxidão do meu propósito,
Recorro, sem pressa, à minha margem do rio.

E quando estou ali, mesmo que me cerquem homens sisudos,
Mulheres histéricas, dias cinzentos ou sombrias verdades,
Verto de vida a artéria dos meus dias e me vejo serenar de novo.

Hoje, ofereço-te a tua própria margem do rio,
Pelo preço da atenção dispensada a estes versos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

CALMA

Se quiser namorar-me,
Tenha calma.
Traga na alma a lembrança de que sou sonho
E não posso ser tocada do nada
Ou beijada como se mortal eu fosse.

Faça de mim algo doce,
Enfeitado de estrelas,
Enfeitiçado de ausências
E para sempre presente nos intervalos de sua respiração.

Ouça o coração
Mas o faça pulsar baixinho
Para não ofuscar o brilho do meu silêncio.
Saiba que o meu coração é cristal de crepúsculo
Poeira de astros longínquos e puros;
Não é barro que se possa moldar,
Por mais perfeito que seja o artífice.

Se quiser namorar-me,
Que seja sem pressa e sem dores,
Já verti sangue e suor
E vi desfalecerem mil flores.

Quero apenas o beijo insano,
A proposta instantânea e a mais errônea vontade
De ser sempre sua,
Mas não hoje,
De ser sempre sua mais tarde.

ABSINTO


Sentir você:
Centelha divina
Embevecida de hortelã.

Absinto absorvido na pele
Que impele saciar-me um pouco mais.

Como posso encontrá-lo entre os mortais
E seguir em paz?

Seus olhos,
Em revoada,
Pousam nos umbrais do meu sonho.

Então me proponho ser sua
Embora eu saiba que os seus pássaros
Em outras almas também pousarão.

E repouso em seus braços
Como se deles deslumbrasse o céu.

LIMITAÇÃO

Meu coração é cristal de crepúsculo
Misturado à poeira batida do chão dessa estrada.
Poeira cósmica que beira o nada
E que me impediu de dar a ti
O diamante que pedes.

Confesso que pouco existo
E que o coração bate apenas por capricho
De fazer circular um sangue que tão pouco é meu.

Siga as estrelas,
Respira o sagrado silêncio imortal do universo,
Redija um verso nobre com a intensidade do infinito,
E saberás que sempre estou e estarei presente,
Em sonho, névoa,
Ou no sono de um céu poente.

Desamanhecimento

Quando o dia desamanheceu,
Era quase muda a quietude da calma.

Estrelas borboletavam sonolentas
E a lentidão do destino alardeava silêncios.


O jeito foi desatolar a inexistência das cores
E ver a beleza negra da vida
Prestar homenagem a essa alegria sem nome
De tudo aquilo que se esvai.

ESTRELA

Quisera ser tua estrela
A iluminar-te graciosamente
Nas noites mais enegrecidas.

Uma estrela sem nome,
Sem renome algum.

Um astro cadente
Decadente
Carente
A cair em teus braços.

Na incoerência desse encanto,
Ao ver o desenhar de luzes no amanhecer dos teus olhos,
Desdenhar de todos os demais mortais.

Do orvalhar do teu corpo,
Reinventar mil modos de saciar-me a sede da tua essência.
Aprender os segredos do teu sorriso,
Destilar em teus lábios o quanto deles preciso
E precipitar-me na ilusão de amar-te, indefinidamente.

Quisera ser tua estrela,
Em uma noite densa e fria,
Quando ainda mais se evidenciasse o calor das almas.
E estas nossas almas, há tanto conhecidas,
Ensinariam nossos desconhecidos corpos
A trilharem os mil sonhos a que me proponho.

Depois disso eu perguntaria o teu nome,
Antes que a tua aurora me embargasse a luz.

DESCOBRIMENTO


Quando descobri o mundo
Ele estava desnudado e sujo.
Ressaqueado, ar de deboche,
Deitado rente à calçada de todos os sonhos,
E tentava esconder a nudez com as mãos.

Foi preciso redescobri-lo mil vezes,
Para enxergar além da aparência hostil.

Hoje, quero cobri-lo com colcha de felpuda,
Colocá-lo em meu colo
E contar histórias de esperança
Para que possa adormecer seguro.

FLORISTA


-"Aceita uma rosa?"
Perguntou a pequena florista
À bela jovem d'alma arrefecida de ausências.
Esta sorriu, indiferente,
E nada respondeu.
A florista perguntou novamente:
-"Aceita uma rosa?"
E a bela segredou-lhe, baixinho:
- "Não... já não me alegra a ternura das flores,
Pois minhas mãos enfaixadas estão
E é tão triste o meu caminho!
Não sou digna do perfume das rosas,
Pois com minhas mãos retirei,
De minha fronte,
A minha própria coroa de espinhos."

DEUS CRIANÇA

Eu quero um deus criança
Que solte pipa,
Suba em árvores e brinque com cata-ventos.

Um deus com a beleza das nascentes límpidas,
Imaculadas da honraria e da glória.
Um deus que só amenidades minta,
Que não se esvaísse nos céus
E não nos culpasse tanto.

Quero um deus que chore com dor de dente,
Um deus de carne e osso e que tudo sinta,
E que compreenda
Que só queremos ser felizes,
Por mais que as cicatrizes nos façam descrer.

Quero mesmo é um deus criança que goste de dança
Cante cantigas de roda, aprecie as de ninar
E que ainda não saiba ler ou escrever.
Um deus que desobedecesse a gravidade de si mesmo
E se deixasse escorregar a esmo
Pelas águas que fez nascer.

Quero um deus criança
Que queira por demais o meu colo
Assim como almejo
O cintilar dos seus olhos.


P.S.: procurei pela net a foto do meu deus criança... algo que pudesse ilustrar o poema, não consegui achar nada. É que o meu deus criança é feito de inexistências.
Fico devendo...

INEXISTÊNCIA



Quando criança
Sofrimento precoce
Eu brincava, às vezes,
De não existir.

E quando eu não existia
A quintessência do nada
Me acalantava a alma
E eu me sentia feliz sem mim.

Data desse tempo
Minha sede de inexistência.
Escondida à sombra dos abismos do mundo,
Ria, menina peralta,
Ao pensar que o Universo me procurava em vão.

Elegia à Paixão Primeira

Não, eu não quero perder-te.
Quero prender-te e podar-te as asas.
Quero que não cantes,
Quero que não sonhes,
Quero que te ponhas em tua triste gaiola de prata
Que me olhes com ternura de espera eterna
E que perdoes a minha vileza.

Não, não quero perder-te.
Quero subir à estrela mais bela
E, de seu raio mais certo, pender-te.
Quero-te preso, sufocado e minguado de afeto,
Mas não, eu não quero perder-te.

Quero que renegues tuas verdades mais santas,
Quero que refutes as ordenanças mais castas,
Quero que desabes nos despenhadeiros de todas as coisas
E que caias em mim
E que te aconchegues na palma da minha mão.

Não, não quero perder-te.
Quero que definhes aos meus pés
Que limpes o convés do navio dos meus sonhos
E que faças revés
A dor que em meu peito és.

TEORIA


Minha teoria
É que a fragilidade é mais poderosa que a força.
Mesmo o ser mais sensível
É capaz de assassinar um leão,
Sem sentir-se desonrado.
Mas ninguém é capaz de massacrar um colibri
Sem se sentir desintegrado por dentro

domingo, 7 de agosto de 2011

Verdades


Escolhi brincar com verdades,
mas eram cortantes
tal qual diamantes na vidraça da alma.

Mudei,
decidi regar um jardim de nuvens
e alimentar borboletas furtivas
com o nectar dos meus segredos.

Besteira,
bom mesmo é deixar as verdades
forjarem frestas no peito.
Assim as borboletas entram e fazem morada.

Gênese


Em dia de caos,
Adoeci das virtudes.

Olhei formiga; desejei cadáver.

A infeliz videnciou o ensejo.
Ajoelhou-se.
Olhou os céus, fitou estrelas,
Contemplou-me os olhos detidamente.
E, em êxtase,
Caminhou resoluta,
A exemplo dos primitivos cristãos.

Pasmei.
O deus das formigas verberou:
- “Haja luz!”
E uma centelha ascendente
Cravejou a face oculta do meu sentido.
Senti.

E viu Deus que isso era bom.

LESMEAR


Plasmei uma montanha sem cimos
Num horizonte sem aporte no tempo.
Um colibri abriu as asas
E protegeu a imensidão do destino.

Era noite e eu não sonhava.
Precisava contemplar os muros
E ver até onde daria
Aquele visgo rastejante das lesmas.

Minha mãe notou a cama vazia
E tomou norte do quintal da casa,
Ralhando desinconformada.

Lesmeei.
Na lentidão dos meus passos,
Deixei rastros luminescentes no chão.

É assim que se faz história.