Ter alma de poeta é sorte incerta.
 É ter o peito encharcado de ilusões e alaridos
 A percorrerem o nunca vivido. 
 É ver a vasta solidão e aliar-se a ela
 Sem perder o encantamento
 Da companhia paralela.
 
 Ter alma de poeta é fingir desalmar-se
 Desamar-se,
 Acumular-se de ausências e seguir sozinho,
 Cultuando o cultuar
 Sem ater-se a deus algum.
 
 Ter alma de poeta é ser profeta
 de uma civilização de concreção deserta,
 mas povoada de “eus” amantes.
 
 É alagar-se de instantes
 E aventurar-se a voar ao encontro do sol.
 
 Ter alma de poeta é seguir por uma reta
 De pedregulhos pontiagudos
 E ver os pés sangrarem descalços,
 Mas nunca desistirem do passo seguinte.
 
 Ter alma de poeta é inventar mil paixões poeirentas
 E vesti-las de luzes tantas
 Que capazes seriam de iluminar o grito da morte,
 A sorte do fraco
 Ou a saudade do que já amou e partiu.
 
 Ter alma de poeta é ter ferida no peito aberta:
 Purulenta de espanto,
 Mas incandescente de eternidades.
 
 Nara Rúbia Ribeiro